por Eudes Baima, docente da FAFIDAM
Obviamente a pandemia do coronavírus é um fato relativamente autônomo em face do tipo de relações sociais e de produção vigentes. Contudo, se a pandemia, em razão de processos da natureza ainda não dominados pela ciência, como o surgimento e mutação de novas formas virais, é devastadora em si mesma, as mutações sociais e econômicas do capitalismo que originam manifestações cada vez mais parasitárias e antissociais proporcionaram ao surto epidêmico mundial um ambiente propício ao seu caráter naturalmente destrutivo.
É a própria imprensa patronal (o jornal conservador francês Les Echos) que nos informa que milhares de postos de trabalho da área da saúde foram destruídos nos últimos anos, com consequências evidentes e dramáticas na Itália, França, Espanha e Portugal. Na Inglaterra, o governo conservador toma medidas baseadas em “teses” sem sustentação científica, que mal escondem a intenção de manter o arrocho fiscal, mesmo na incidência da peste. Mesmo na Alemanha, o país sente agora o resultado de anos de destruição da rede social de proteção. Para não falar dos EUA, onde a inexistência de saúde pública é tida como um valor.
No Brasil, o cenário é ainda mais preocupante. A pandemia está longe do seu pico, e a economia nacional segue decompondo-se em ritmo acelerado, sem medidas à altura por parte do governo. A bolsa de valores praticamente desintegrou-se e o dólar bateu novo recorde esta semana, chegando a R$ 5,20. Politicamente, a crise entre os poderes aprofunda-se e o executivo segue um curso errático, que vai da denegação da pandemia à tomada de medidas quase inócuas e atrasadas diante da crise, subdimensionada pelo presidente Bolsonaro, que descumpriu orientações do seu próprio ministro da saúde. A rede de apoio de Bolsonaro nas classes dominantes mostra rachaduras, com setores da grande imprensa se chocando com o governo.
A situação difícil vai piorar. Mortes virão, não se enganem, às centenas, às milhares. As condições sanitárias do país, historicamente precárias, recuaram dramaticamente desde o golpe de 2016 e da adoção da EC 95 (e de medidas semelhantes nos estados), que congelou por 20 anos o reajuste do orçamento das áreas sociais. Dados do IBGE, ainda de 2010 (os últimos dados oficiais disponíveis) mostram que 11 milhões de brasileiros vivem em situação cotidiana de aglomeração. São milhões de cidadãs e cidadãos apertados em habitações de 1, 2 e 3 cômodos. Em grande parte, em zonas sem saneamento básico. Pensemos nos brasileiros que não poderão se ausentar do trabalho, num país com milhões de desempregados, nas crianças e jovens que dependem da merenda escolar e dos RUs, na gigantesca população de rua, nas camadas discriminadas e invisibilizadas da população. É um desastre de proporções inéditas que se desenha.
Uma política de austeridade, implementada desde 2016, com destaque para a Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, fragilizou o Sistema Único de Saúde e as Instituições Públicas de Pesquisa, peças-chave para lidar com a crise. Já se fala abertamente de colapso do sistema público de saúde, o que vai gerar uma situação dramática de consequências ainda inimagináveis. As medidas anunciadas numa bizarra entrevista coletiva em 18 de março, prevêm uma intervenção do governo fundada em recursos dos próprios trabalhadores, como a antecipação do 13º dos aposentados e pensionistas e a liberação em junho do FGTS. Em troca, se fala em redução de salário dos trabalhadores a pretexto de evitar as demissões.
Sim, a pandemia é um fato da natureza, um dado do acaso que também faz parte da história, mas as condições em que a humanidade foi surpreendida por ela, não!
Não é o fim dos tempos, mas a reversão das condições sociais que favorecem a devastação pandêmica é possível, imprescindível e urgente.
Derrotar as políticas de austeridade no mundo inteiro, derrotar a liquidação dos serviços de Estado levada a cabo por Bolsonaro são passos que precisam ser dados agora!