por Frederico Costa, docente da FACEDI
O 1º de maio ou o Dia Internacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras está associado à luta contra a exploração capitalista. No final século XIX, a reivindicação por melhores condições de trabalho girou em torno da campanha pela jornada de oito horas de trabalho, A Segunda Internacional (1889-1914) fez sua a proposta da Federação Americana do Trabalho (AFL) de lutar pela jornada de oito horas. A AFL, que não pertencia à Internacional, solicitou apoio para sua campanha que deveria começar em 1º de maio de 1890. Acordou-se organizar, nesse dia, uma demonstração internacional de luta e unidade proletária, eis o sentido da data.
No 1º de maio de 1890, celebrou-se grandes manifestações pelas oito horas em muitos países e cidades, sendo registradas paralisações na França, Estados Unidos, Áustria, Hungria, Itália, Espanha, Bélgica, Holanda, Inglaterra.
Hoje, 130 anos depois, a situação dos produtores da riqueza mundial é de profunda exploração e opressão. A sintonia de três crises – econômica, sanitária e ecológica – recai sobre os setores mais frágeis da população e, os países mais pobres. O capitalismo chegou ao seu limite histórico.
O mundo, com raras exceções como Cuba e Coreia do Norte, fundamenta-se em três pilares: produção para o mercado, monopolização dos meios de produção pelos capitalistas e trabalho assalariado. Tal configuração gravita em torno de uma relação social básica entre o trabalho assalariado e o capital. Os capitalistas controlam os meios de produção, o processo de produção e a disposição do produto final. Os trabalhadores e as trabalhadoras vendem a sua força de trabalho como uma mercadoria em troca de salário, o que expressa uma relação entre classes sociais. O motor dessa relação é o capital, isto é, valor em movimento, valor em busca constante de autovalorização, sustentado pela exploração dos trabalhadores/trabalhadoras.
Em síntese, a lógica que comanda o funcionamento da sociedade compõe-se de quatro momentos básicos:1) o da valorização, no qual o capital é gerado na forma de mais-valia na produção; 2) o da realização, em que o valor é transformado novamente na forma-dinheiro por meio da troca de mercadorias; 3) o da distribuição de valor e mais-valia entre diversos setores sociais; e, por fim, o da captura de parte do dinheiro que circula entre os vários setores sociais e sua reconversão em capital-dinheiro, a partir do qual continua o processo de valorização. Nesse sentido, o motor do capitalismo é a busca incessante de lucro, que tem sua origem na produção de mais-valia com exploração do trabalho vivo. Isso faz com que a reprodução do capital se torne uma espiral de expansão crescente que devora natureza, nações e vidas, por meio de crises mais profundas com o tempo.
Marx e Engels, em 1848, no Manifesto Comunista, já indicavam o modo de ser das crises capitalistas e seu sentido histórico.
A sociedade burguesa, com suas relações de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que invocou. Há dezenas de anos, a história da indústria e do comércio não é senão a revolta das forças produtivas modernas contra as modernas relações de produção, contra as relações de propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já criadas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo desaba sobre a sociedade – a epidemia da superprodução.
A sociedade vê-se subitamente reconduzida a um estado de barbárie momentânea; como se a fome ou uma guerra de extermínio houvessem lhe cortado todos os meios de subsistência; o comércio e indústria parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui civilização em excesso, meios de subsistência em excesso, comércio em excesso. As forças produtivas que dispõem não mais favorecem o desenvolvimento das relações burguesas de propriedade; pelo contrário, tornam-se poderosas demais para estas condições, passam a ser tolhidas por elas; e assim que se libertam desses entraves, lançam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. E de que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais intensas e destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las[1].
Estão na conta do capitalismo o escravismo moderno, o colonialismo, a opressão imperialista, a violência de gênero contra mulheres e LGBTIs, duas guerras mundiais, centenas de conflitos regionais, golpes de Estado, massacres, ondas de fome, epidemias e pandemias. Se em um determinado período as relações de produção capitalistas impulsionaram as forças produtivas, atualmente elas impedem a ampliação e crescimento das capacidades humanas, tornando-as forças de destruição a serviço da reprodução do capital.
Para piorar, o capitalismo para lidar com a superprodução de mercadorias desenvolveu um sistema de crédito que permitiu ao capital acumular-se sob formas de capital-dinheiro que se revelam cada vez mais “irreais”. Seu princípio básico é a capitalização de uma renda derivada de sobrevalor futuro – como capital bancário, ações em bolsa, dívidas públicas entre outras formas. A partir da década de 1970, vem ocorrendo um aumento exorbitante de formas “fictícias” do capital enquanto fontes autonomizadas, separadas, na aparência, da produção de mais-valia. Hoje, os vetores desse processo lucrativo-destrutivo de “capital fictício” são a securitização e as trocas dos produtos derivativos, pelos quais o capitalismo funciona como um sujeito acima de tudo e de todos. Esse “capital fictício” é, ao mesmo tempo, parasitário e beneficiário de uma parte da mais-valia, alimentando uma acumulação adicional como meio de sua própria remuneração.
Essa nova configuração do capitalismo no século XXI tem sido estruturalmente nefasta para trabalhadores e trabalhadoras nos mais variados espaços geográficos: superexploração, precarização, migrações forçadas, desemprego, terceirização, informalidade, uberização e até casos explícitos de escravidão. No plano da subjetividade, expressão ativa de relações objetivas degradantes, a alienação assume formas grotescas, pois a divisão capitalista do trabalho apossa-se da vida espiritual dos indivíduos que se sentem num mundo sem sentido. Assim, proliferam os fundamentalismos religiosos, o racismo, o irracionalismo, a misoginia e a lgbtfobia. Nesse contexto, a extrema direita avança em vários países com o objetivo de destruir os movimentos sociais e atomizar ainda mais o proletariado. Tudo isso para manter o regime social de produção capitalista e seu Estado.
Há resistência, greves, mobilizações, levantes e até movimentos insurrecionais. Na África, Ásia, Europa e América Latina. Quem não se lembra da luta palestina, do exemplo chileno, das massas argelinas nas ruas, dos docentes de New York em greve, da greve geral indiana, da organização dos imigrantes na Europa, das paralizações das trabalhadoras de call centers, das manifestações de uberizados e agora das reivindicações dos profissionais de saúde em várias partes do mundo?
E agora, o que falta?
É preciso dizer um contundente não à forma como a sociedade está organizada. Mas, toda negação carrega em si uma afirmação. Como afirma Naomi Klein,
[…] dizer não às más ideias e aos maus atores simplesmente não basta. O mais firme dos nãos tem que ser acompanhado de um sim ousado e progressista, um plano para o futuro que seja crível e atraente o suficiente para que um grande número de pessoas lute para vê-lo realizado, não importam as táticas de choque e de intimidação que tenham de enfrentar. O Não […] pode ser o que vai inicialmente levar milhões às ruas. Mas é o sim que vai nos manter na luta.
O sim é o farol nas tempestades por vir que vai nos impedir de perder o rumo[2].
A superação do capitalismo exige negação, afirmação e elevação para um novo nível de lutas e consciência política.
Que o 1º de maio de 2020 diga um NÃO ao capitalismo e suas mazelas, reafirmando confiança nas forças do trabalho para a construção de um mundo novo sem exploração e opressão. É o momento de afirmar a necessidade do socialismo, de seus valores, de sua estratégia e métodos de emancipação. Sim à vida, não aos lucros!
[1] KARL, Marx e ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. 1. ed. revista. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 45.
[2] KLEIN, Naomi. Não basta dizer não: resistir à nova política de choque e conquistar o mundo do qual precisamos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017, p. 19.