por Frederico Costa, docente da FACEDI
No dia 5 de maio de 1818, no que é hoje a Alemanha, nasceu Karl Marx, representante da classe trabalhadora e militante pela revolução socialista. Há 202 anos de seu nascimento, em tempos de crise econômica, sanitária e ecológica, será Marx atual?
O mundo hoje é a imagem e semelhança da lógica do capital que se expandiu para todas as esferas da vida humana. O capitalismo praticamente converteu o planeta Terra num grande supermercado. Tudo se tornou passível de compra e venda. Para manter esse ritmo expansivo, a velocidade de circulação do capital é constantemente acelerada. As mercadorias duram cada vez menos e o que tende a dominar é o efêmero, o fugaz e a constante novidade. O cotidiano passou a se resumir aos simples atos de comprar e consumir. A concentração e centralização do capital chegou ao ponto de corporações disporem de mais recursos que países inteiros. O “capital fictício”, parasitário, controla a economia mundial.
No plano da subjetividade, expressam-se as ideias dominantes e as relações alienadas da sociabilidade capitalista: o culto ao mercado, a meritocracia, o pensamento instrumental, o fundamentalismo religioso e o irracionalismo pós-moderno. Em alguns ambientes, proliferou ideias descartáveis como mercadorias, só existindo ocorrências, narrativas, sem passado nem futuro. Os seres humanos com capacidade monetária estariam aprisionados num presente hedonista, sem sonhos, sem utopias, sem alternativas.
Nesse contexto, contra Marx, levantaram-se, à esquerda e à direita, as mais pesadas acusações: autoritário, totalitário, eurocêntrico, determinista, economicista, ultrapassado. Tudo isso reforçado pela derrocada dos Estados operários, pela capitulação dos PCs stalinistas e pela integração final da socialdemocracia ao modus operandi do capital. Não faltaram livros, artigos, palestras, debates e excomunhões para expurgar Marx do século XXI.
Mas nada como um dia após outro.
O capitalismo revela-se incapaz de sanar contradições e problemas criados por ele mesmo. Agressão constante ao meio ambiente, em sua busca incessante de lucros: mudança climática, elevação do nível do mar, desastres ambientais, formação de buracos na camada de ozônio, degradação da água e do ar, desertificação, lixo marinho e declínio da população de peixes, extinção de espécies. Epidemias e pandemias: novos vírus e agentes patogênicos (HIV/aids. Ebola), resistência ao controle (malária), gripe aviária, coronavírus. Aumento crescente da concentração de riqueza, das desigualdades sociais, da superexploração do trabalho e da opressão nacional: retirada de direitos, destruição dos serviços públicos, terceirização, precarização. feminicídio, racismo, guerras, embargos econômicos, fome, migrações forçadas, violência de gênero, desemprego. Diante disso, Marx, tantas vezes tido como morto, é mais presente do que nunca pela simples razão de que ele é o crítico mais radical do capitalismo. Daí decorre a atualidade de sua obra e militância revolucionária, por isso destacamos aqui três momentos importantes da contribuição de Marx para a emancipação social de trabalhadores e trabalhadoras.
Primeira contribuição: a descoberta do fundamento segundo a qual a história humana se move e se desenvolve por si. A história das sociedades não é produzida ou dirigida por vetores extra-humanos ou anistóricos como deuses, natureza, absoluto ou espírito universal. A história é produto da atividade concreta dos seres humanos, que são entes naturais-sociais. Ao transformarem a natureza para satisfazer suas necessidades, homens e mulheres produzem uma nova realidade não presente na natureza: o mundo humano. Dessa descoberta revolucionária decorre que as instituições, os valores, os sistemas econômicos, as estruturas políticas, as ideologias e a cultura em geral são criaturas humanas passíveis de mudança. Nesse sentido, o mundo social e histórico torna-se compreensível, não é mais um caos de fatos. As contradições entre os seres humanos e a natureza, a luta de classes e as massas que trabalham produzem a história, que se move dentro das coordenadas postas pelo desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção. Assim, Marx desvela a possibilidade histórica de superação da exploração de classe, das opressões e das diversas formas de alienação pela ação das massas trabalhadoras.
Segunda contribuição: Marx descobriu a lógica interna responsável pelo atual estado em que o mundo se encontra, com sua profunda divisão entre capitalistas e trabalhadores/trabalhadoras assalariados. Em O capital, foram reveladas as conexões estruturais do movimento que rege a origens, o desenvolvimento, as contradições, a decadência e as possibilidades de superação da forma social de organização econômica contemporânea: o modo capitalista de produção. Essa perspectiva científica está baseada na relatividade histórica do sistema econômico-social capitalista, isto é, sua limitação restrita no tempo. Esse fato é um pesadelo para os capitalistas e seus representantes ideológicos, que jamais perdoarão Marx pela revelação desta verdade: o capitalismo é um produto da história. Nasceu e, no seu devido tempo, poderá ser superado por um novo modo de produção, com relações distintas das que regem o capitalismo. A crise atual do capitalismo revela sua incapacidade de desenvolver as capacidades humanas potenciais. As relações de produção capitalistas são um freio para o desenvolvimento da humanidade para um novo patamar social. Ao mesmo tempo que se expandiu, o sistema capitalista de produção, aumentou as riquezas materiais e, também, as possibilidades de superação de uma atividade produtiva, repetitiva e sem sentido. De crise em crise a forma como está organizada a sociedade contemporânea só pode trazer dor, destruição e morte.
A terceira contribuição de Marx é da necessidade uma revolução proletária levada a cabo por uma classe que dispõe de possibilidades históricas gigantescas, mas que, devido à exploração sofrida, possui uma força econômica reduzida e está excluída de toda participação na riqueza social. A revolução proletária, que só pode ser socialista, tem como objetivo a substituição consciente da sociedade existente. Tal revolução, baseada na tomada do poder pelos trabalhadores e trabalhadoras, é por seu próprio conteúdo internacional, já que o capitalismo é um sistema mundial. Sua consumação, portanto, será a edificação universal de uma sociedade sem classes nem exploração. Embora triunfando, inicialmente, no quadro nacional, essa vitória só pode ser provisória enquanto a luta de classes não derrotar de maneira decisiva o capital. Esse processo revolucionário exige um grau de consciência dos interesses históricos da classe trabalhadora ao menos pelos setores mais avançados.
Como afirmaram Marx e Engels no Manifesto Comunista de 1848, o proletariado tem que se constituir enquanto classe como condição para a conquista do poder político. Nesse sentido, Marx foi claro ao afirmar o peso de sua contribuição ao processo de emancipação do trabalho, numa carta à Joseph Weydemeyer de 5 de março de 1852.
No que me diz respeito, não me cabe ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna nem a sua luta entre si […] O que de novo fiz, foi: 1. demonstrar que a existência das classes está apenas ligada a determinadas fases de desenvolvimento histórico da produção; 2. que a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3. que está mesma ditadura só constitui a transição para a superação de todas as classes e para uma sociedade sem classes. (MARX e ENGELS, 1982, p. 555).
Dessa percepção, decorre que Marx não foi um simples teórico, conforme a divisão do trabalho imperante. Antes de compreendê-lo como filósofo, historiador, economista, sociólogo ou antropólogo, ele foi um revolucionário, um militante pelos interesses imediatos e históricos do proletariado. Se chegou tão longe, foi porque se colocou do ponto de vista das massas proletárias, sendo sua teoria incompreensível sem o vínculo orgânico com as lutas sociais. Entre outras atividades junto à classe, aos setores oprimidos e às nações atrasadas, militou na Liga dos Comunistas, participou da revolução alemã de 1848-1849, esteve na direção da primeira organização internacional dos trabalhadores, interveio politicamente na Guerra Civil Americana de 1861-1865 e na Comuna de Paris de 1871, primeira experiência histórica de poder operário. Segundo seu genro, um dos organizadores do Partido Operário Francês,
Karl Marx é uma daquelas raras personalidades capazes de ocupar ao mesmo tempo lugar de destaque nas ciências e na atividade pública; unia-os de maneira tão íntima que é impossível compreendê-lo ao separar o erudito do lutador socialista. Embora estimasse que toda ciência devesse ser desenvolvida para si mesma e que nunca se devesse temer as conclusões a que a pesquisa científica pudesse chegar, ele tinha a opinião de que o erudito, para não decair, jamais deve cessar de participar ativamente da vida pública, tampouco ficar confinado em seu gabinete ou em seu laboratório, como um verme no queijo, sem se envolver na vida, nas lutas sociais e políticas de seus contemporâneos. (LAFARGUE, 2019, p. 73-74).
Comemorar o aniversário de Karl Marx, para os marxistas, não é uma atividade de devoção acrítica, mas um compromisso com as lutas concretas das massas proletárias, de defesa dos movimentos de resistência camponesa, de apoio aos países atrasados e periféricos contra o imperialismo, de aliança permanente com os setores mais oprimidos da sociedade. No Brasil, é combater pelo Fora Bolsonaro e Mourão, pela independência de classe e contra a frente ampla, pela vida acima dos lucros.
Feliz aniversário, camarada Marx!
Referências Bibliográficas
LAFARGUE, Paul. Recordações pessoais sobre Karl Marx (1900). In: ALBERT, André (Org.). Marx pelos marxistas. São Paulo: Boitempo, 2019.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas em três tomos. Tomo II. Lisboa/Moscovo: Edições “Avante!”/Edições Progresso, 1982.