por Frederico Costa, professor na FACEDI
O que ocorre nos Estados Unidos (EUA) é importante para a luta das massas trabalhadoras, povos e países oprimidos pelo imperialismo. Os EUA são o centro do capital financeiro mundial, a principal potência militar, o núcleo ideológico do modo burguês contemporâneo e, também, o polo produtor-reprodutor da crise atual a partir de 2008. Hoje, a crise de dominação das classes dominantes estadunidenses se expressa na disputa eleitoral entre democratas e republicanos pela presidência do império.
Eleições democráticas?
Em 4 de novembro, ocorrerão eleições presidenciais nos Estados Unidos da América (EUA), o país imperialista mais poderoso do mundo. Os EUA vendem-se ideologicamente como os guardiões da liberdade e democracia no mundo. Mas será que, realmente, os EUA sustentam-se num regime político que expressa os interesses da maioria da população?
Nas eleições de 2000, num contexto de crise, o republicano George W. Bush, após uma polêmica apuração na Flórida, foi eleito presidente com 50.456.987 votos populares e 271 votos dos delegados dos estados, enquanto o democrata Al Gore ganhou, no voto popular, 51.003.926 votos, mas só obteve 266 votos no Colégio Eleitoral[1]. Com isso, o caráter não democrático das eleições estadunidenses veio à tona.
Tal distorção ocorreu novamente, em 2016, na eleição do republicano, Donald Trump, em que milhares de pessoas foram às ruas questionar o resultado das urnas. Trump conquistou 62.979.636 votos populares e 306 votos dos delegados dos estados, suficientes para ser eleito presidente. Porém, a democrata Hillary Clinton obteve 65.844.610 votos populares, mas apenas 232 votos no Colégio Eleitoral[2].
Isso não foi uma novidade. Já ocorrera antes.
Em 1824, o candidato John Quincy Adams conquistou 113.122 votos populares, enquanto seu adversário, Andrew Jackson, ganhou, no voto popular, 151.271. Como ambos não alcançaram o mínimo de votos no Colégio Eleitoral, a decisão de quem ocuparia a presidência foi tomada pela Câmara dos Representantes que elegeu Quincy Adams como presidente[3]. Mais de cinquenta anos depois, em 1876, o candidato republicano, Rutherford B. Hayes, que teve 4.036.298 votos populares, obteve 185 votos dos delegados de um total de 369 votos no Colégio Eleitoral. Seu adversário, o democrata Samuel J. Tilden venceu no voto popular com 4.300.590 votos, mas só alcançou 184 votos no Colégio Eleitoral[4]. Nas eleições de 1888, o candidato republicano, Benjamin Harrison, conquistou 5.439.853 votos populares e 233 votos dos delegados, elegendo-se presidente. Seu concorrente, o democrata Grover Cleveland, ganhou no voto popular com 5.540.309 votos, mas só obteve 168 votos no Colégio Eleitoral[5].
Depois dos exemplos acima, vimos que no complexo sistema eleitoral do imperialismo americano, é possível ser eleito presidente sem ter a maioria dos votos populares, o que viola o princípio democrático formal de uma pessoa, um voto. Por quê?
Nos EUA, o presidente e o vice-presidente não são escolhidos diretamente pelos cidadãos aptos a votar. Os eleitores escolhem os delegados de um Colégio Eleitoral, que é composto atualmente por 538 provenientes de todos os 50 estados, incluindo a capital Washington D.C. Cada estado tem um mínimo 3 delegados, como é o caso de Delaware, 853 mil habitantes. Já a Califórnia, estado mais populoso do país com 36 milhões de habitantes, possui 55 votos; enquanto Nova York, com 19 milhões de habitantes, tem 31 votos. Então, os eleitores de cada estado elegem os delegados que votarão para a presidência dos EUA. Vence a eleição quem obtiver, pelo menos, 270 votos, isto é, metade mais um do Colégio Eleitoral. No caso improvável de que nenhum dos candidatos obtenha 270 votos no Colégio Eleitoral, o encarregado de decidir o vencedor é a Câmara de Representantes que deve escolher o novo presidente a partir dos três candidatos com mais apoio. Da mesma forma, o Senado, por sua vez, deve realizar um processo similar para eleger um vice-presidente entre os dois candidatos mais votados. Como vimos, isso ocorreu em 1824.
Bem, depois que os cidadãos votarem no seu candidato presidencial em 4 de novembro deste ano, os votos serão contabilizados em nível estadual. Em 48 estados e em Washington DC vigora o sistema de “o vencedor leva tudo”, isto é, o candidato que obtiver a maioria dos votos populares em um estado fica com todos os delegados atribuídos a esse território. A exceção são os estados de Maine e Nebraska, onde os votos são divididos. No estado do Maine, por exemplo, duas das cadeiras no colégio eleitoral vão para o vencedor no Estado, e as outras duas vão para o vencedor em cada um dos distritos do Estado.
De acordo com a Constituição dos Estados Unidos, os delegados não são obrigados a votar de acordo com a vontade dos cidadãos. Embora, em alguns Estados, sejam livres para apoiar o candidato que quiserem, enquanto noutros são obrigados a votar no candidato que prometeram apoiar.
Assim, o voto nominal tem peso relativo, de acordo com cada estado, ocorrendo distorções que acabam privilegiando um pouco regiões mais rurais, e estados menos populosos são sobrerepresentados. Tal sistema eleitoral tem seus fundamentos na Constituição de 1787. As classes dominantes, ou seja, as elites rurais, escravistas e conservadoras temiam o voto popular por sua possibilidade de confrontar-se com a ordem expressando os interesses da maioria.
O sistema eleitoral estadunidense constituiu-se como a forma política para o escravismo, o racismo, o expansionismo agressivo e, por fim, o imperialismo mais poderoso na atualidade. Com a crise capitalista atual e o acirramento da luta de classes, aumenta suas contradições como estrutura de dominação. A última palavra será dada pelos trabalhadores e trabalhadoras mobilizados.
Interesses ocultos que animam a disputa Biden X Trump
Os Estados Unidos (EUA) têm um projeto para si e para o mundo sintetizado na expressão full spectrum dominance (dominação de espectro total), cujo objetivo é estabelecer, manter e expandir a hegemonia e os lucros das corporações estadunidenses, sob a falsa ideologia de defesa de valores universais e democráticos. Essa perspectiva ora é coordenada por governos republicanos, ora por governos democratas. A depender do contexto nacional e internacional, está sempre condicionado pela luta de classes, o que faz com que a orientação imperial dos EUA sofra momentos de cooperação, acomodação, tensão, subversão, confrontos e conflitos armados com outros países. Em última instância, isso explica as posturas agressivas do imperialismo estadunidense ao Afeganistão, ao Iraque, à Líbia, à Síria, à Venezuela, à Cuba, à Coreia do Norte, à Bielorrússia, à Rússia e à China.
O importante a ser destacado é que, apesar do contexto e das contradições, a perspectiva das frações da classe dominante estadunidense é manter e aprofundar sua dominação interna e externa sobre trabalhadores, povos e nações, como uma “delegação divina”.
Por isso, o que está em jogo na atual disputa eleitoral entre a direita (Joe Biden, democrata) e a extrema direita (Donald Trump, republicano) é qual a melhor forma de manter os objetivos estratégicos do imperialismo estadunidense: 1) manter sua hegemonia militar em todas as regiões do mundo por meio da presença de forças militares (terrestres, aéreas e navais) capazes de inibir a emergência de Estados rivais com capacidade militar de dissuasão dos EUA de utilizarem o uso de força, o que inclui a tentativa constante de desarmar Estados periféricos; 2) conservar sua hegemonia sobre os sistemas de comunicação e de informação, controlando a elaboração e a difusão de conteúdo pelos meios de comunicação como agências de notícias, cinema, rádio, televisão e internet que formam posturas subjetivas dos setores dominantes e das massas de distintos Estados e formações sociais; 3) consolidar sua hegemonia nos organismos econômicos internacionais, como a Organização Mundial de Comércio-OMC e o Fundo Monetário Internacional-FMI, que elaboram normas internacionais reguladoras das relações entre Estados e as impõem por meio de programas para enfrentar dificuldades de balanço de pagamentos e de financiamento de investimentos; 4) expandir seu controle sobre recursos naturais no territórios de outros países e de suas vias de acesso, o que é essencial para a economia estadunidense e suas mega empresas multinacionais, assim como de outras potências imperialistas; 5) preservar sua hegemonia política através do controle, tanto quanto possível, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, único organismo internacional que autoriza a aplicação de sanções e o uso da força militar contra qualquer Estado, menos contra os membros permanentes, com o apoio incondicional da França e da Inglaterra, reservando-se o direito de agir unilateralmente quando o interesse do imperialismo estadunidense assim o exigir; 6) continuar na vanguarda do desenvolvimento científico-tecnológico em termos de aplicações civis e militares, condição para seu domínio em outras áreas; 7) deixar abertos os mercados de todos os países para seus capitais e para seus bens e serviços.
Essa é a moldura da fake democracia da terra do Tio Sam, ou seja, as eleições atuais não ocorrem num vácuo, mas num cenário local e global de profunda crise econômica agravada pela pandemia do coronavírus. O acirramento da disputa entre as frações dominantes nos EUA abre uma brecha para a intervenção das classes subalternas estadunidenses e para a ascensão das lutas anti-imperialistas.
[1] https://www.presidency.ucsb.edu/statistics/elections/2000, consulta em 12/10/2020.
[2] https://www.presidency.ucsb.edu/statistics/elections/2016, consulta em 12/10/2020.
[3] https://www.presidency.ucsb.edu/statistics/elections/1824, consulta em 12/10/2020.
[4] https://www.presidency.ucsb.edu/statistics/elections/1876, consulta em 12/10/2020.
[5] https://www.presidency.ucsb.edu/statistics/elections/1888, consulta em 12/10/2020.