SINDUECE

NOTA: PAD 3×1, pela vida e em defesa de condições justas de trabalho e aprendizagem na UECE

Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte / Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte / E tenho comigo pensado Deus é brasileiro e anda do meu lado / E assim já não posso sofrer no ano passado / Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro / Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro / BELCHIOR

O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da Universidade Estadual do Ceará (UECE) decidiu, nesta sexta-feira (9), que a realização do semestre 2021.1 se dará em caráter remoto, medida que vai ao encontro do que defendeu a categoria docente da UECE tanto nas plenárias promovidas pela SINDUECE, entre os dias 30 de junho e 5 de julho, quanto na deliberação da assembleia geral ocorrida na quinta-feira (8). Entretanto, é com preocupação que a Direção do sindicato dos docentes analisa a votação dos conselheiros do Cepe que, por 14 votos a 8, reduziram a proporção de 3 para 2 horas de planejamento e avaliação para cada hora de aula ministrada. Conquista da SINDUECE durante a pandemia, a relação da carga horária no Plano de Atividades Docente (PAD) de “3×1” será nos próximos dias apreciada pelo Conselho Universitário (Consu), para o qual dirigimos os seguintes argumentos:

1. Vivemos um cenário de desemprego crescente, retorno ao mapa da fome e o país mergulhado no maior escândalo político que, entre outros crimes do Governo Federal, nos faz alcançar a tenebrosa marca de 530 mil mortes decorrentes da pandemia da Covid-19. Todas e todos com vidas entrecruzadas pelas perdas, buscando sobreviver em meio às frequentes ameaças de crescimento de contaminação e mortes e à pressão por desconsiderar essa realidade escancarada que faz do Brasil o trágico campeão na média móvel de mortes registradas atualmente. Estamos diante de um governo genocida que trabalha para nos matar, matar a classe trabalhadora, e não só de Covid, mas destruindo direitos e políticas conquistadas e aproveitando-se da tragédia humanitária que nos assola para “passar a boiada” e “jogar a bomba no bolso dos trabalhadores/as”, em especial nos/nas servidoras/es públicos/as. Nós, classe trabalhadora, estamos aqui para dizer em alto e bom som: “nós queremos trabalhar e não queremos morrer”!

2. Na Educação, o caminho encontrado para continuar nossas atividades optando pelo resguardo da vida não passa incólume. O ensino remoto tem nos obrigado a jornadas extenuantes e adoecedoras, o limite entre o público e o privado esvaiu-se, o tempo de trabalho se intensificou entre o que é síncrono e assíncrono: planejamento, gravações, proposições e correções de atividade em portais, correios eletrônicos e outros aplicativos de mensagens. Estudos e artigos evidenciam o adoecimento crescente de professores e professoras com sintomas de exaustão e ansiedade, falta de sono, dificuldades de concentração, depressão. Para as mulheres, as consequências são mais intensas devido à sobrecarga de trabalho doméstico, chegando a quase o dobro de horas que os homens destinam e de cuidados com parentes e familiares adoecidos, que cresceu em 45% para as mulheres em 2020.

3. Chamamos atenção também para o fato de que o corpo docente está financiando seu próprio trabalho, realizado em casa, sem que tenha recebido qualquer aporte para gastos excepcionais. Investigação realizada pelo Observatório do Ensino Superior nas Universidades Estaduais do Ceará (ObservER-CE) constatou que na UECE os/as docentes empregaram mais de seu salário, sem reajustes da inflação desde 2016 e com defasagem de 30%, para ampliar a rede de internet e compra de equipamentos. Também afirmaram que ainda não se sentem familiarizados/as com o ensino remoto, avaliando que poderiam ter maior apoio para melhorar o desempenho, o que aponta para a necessidade de uma formação continuada.

4. Mesmo considerando esse cenário em que todas e todos estão prejudicados, tem sido contínua a utilização de um discurso que reclama por “redução de danos” ou por um irônico “#vaidarcerto”, seguindo um movimento esquizofrênico e conservador. Em específico, para enfrentar essa busca de certa normalidade na relação de trabalho acadêmico, há cerca de um ano, encabeçamos um movimento vitorioso que conquistou redução da relação hora-aula/tempo de planejamento, o conhecido “3×1”. Uma condição que assume a compreensão da excepcionalidade do momento em que vivemos e que diminui, na prática, a exclusão de quem está vivendo as mais contundentes agruras desse modelo de ensino, seja para docentes e discentes. Por isso, precisamos preservar o 3×1!

5. O recente decreto do Governo do Estado, publicado em 26 de junho deste ano, nos colocou em novo debate e fez promover cinco plenárias por todos os campi da UECE, sendo três delas com dois campi simultaneamente. Alcançamos cerca de 400 pessoas ao mesmo tempo nas salas virtuais e em todos os espaços as vozes ecoaram: retorno presencial apenas com condições epidemiológicas e sanitárias que garantam biossegurança para toda a comunidade acadêmica. Vacina para todas e todos!

6. É fato que os estudantes estão abandonando, trancando ou reprovando por falta nas disciplinas matriculadas. São dados crescentes, dia-a-dia e, certamente, o elemento crucial não tem sido a redução da oferta de disciplina, mas sim a essência da crise que tem obrigado a juventude a buscar o sustento para suas famílias. Falta-lhes apoio para seguir seu desenvolvimento profissional, suporte para estudos em situação remota – chips que contribuíram, mas não solucionaram a dificuldade de acompanhar e realizar atividades online. A recuperação de danos não deve ser jogada ao indivíduo, numa filiação à meritocracia de origem no crescente pensamento liberal. Em contraponto, devemos atuar de forma coletiva, seguindo o espírito desta Universidade, reconhecida internacionalmente, com aquela que melhor atende às questões de exclusão social. Para garantir que os e as estudantes da UECE continuem suas atividades acadêmicas temos defendido, desde abril de 2020, e apresentado para representantes estudantis e ao titular da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece), secretário Inácio Arruda, a duplicação do número de bolsas de permanência e ampliação dos valores por meio dos recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP). Essas sim seriam medidas efetivas de permanência estudantil.

7. O debate sobre como recuperar os prejuízos fará parte do mundo pós-pandemia. Seguramente, não haverá perda maior do que a vida ceifada de meio milhão de brasileiras e brasileiros. Por ora, resta-nos garantir a manutenção do 3×1 sob pena de ampliarmos desigualdades, excessos de atividades, levando ao esgotamento e adoecimento de docentes e de estudantes, o que já é fato em outras instituições de ensino.

8. Acrescentamos que a ampliação da oferta de disciplinas beneficia apenas uma parte de cursos e estudantes, notadamente aqueles que têm conseguido por condições socioeconômicas e de inclusão digital acompanhar as atividades acadêmicas. Todavia, a grande maioria de nossos/nossas discentes, sobretudo nos campi do interior, tem dificuldades agravadas por muitas vezes habitar localidades sem internet, por não dispor de computador nem ter recebido um tablet. Ou seja, ao ofertar mais disciplinas prejudicaremos ainda mais os/as mais prejudicados/as e alargaremos um fosso entre os/as que continuaram seus estudos e aqueles/aquelas a quem teremos que propor, sem contar com número suficiente de docentes, uma oferta paralela. Reafirma-se, portanto, a necessidade de concursos para professores e professoras efetivas urgentemente!

9. Por fim, nos chama atenção notícia enviada aos emails dos/das docentes da UECE que informa que publicações internacionais da UECE cresceram 26,5% em 2020, o triplo da média nacional de 5,1%. Podemos ter como hipótese que o aumento de horas de planejamento contribuiu para ampliação de tempo dedicado à escrita, pois os/as docentes da pós-graduação também estão na graduação e chegam, em alguns casos, a ministrar três disciplinas concomitantemente.

10. Essa conjunção de fatores, argumentados na reunião da Câmera de Coordenações de Curso do dia 4 de junho de 2021, levou a que 71% dos/das presentes deliberassem pela manutenção da relação 3×1, dando nítido indicativo da realidade que se enfrenta na maioria dos cursos da Universidade.

Por tudo isso, nós, professoras e professores da UECE, estamos mobilizados/as nos campi e aguerrida/os em luta e na defesa da justa conquista que tivemos com o 3×1. Nossa assembleia docente, realizada no dia 8 de julho de 2021 com a participação de cerca de 100 pessoas, demonstrou disposição à paralisação em caso de não termos respeitados direitos e conquistas nesta tragédia humanitária que nos assola!

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