Por 19 votos 14, o Conselho Universitário (Consu) da Universidade Estadual do Ceará (UECE) retirou o direito de docentes a organizar as atividades durante o ensino remoto emergencial na proporção de 3 horas de planejamento para cada hora de aula ministrada, o chamado 3×1. A votação, realizada na tarde desta sexta-feira (23) de forma remota, reduziu a alteração nas cargas atribuídas no Plano de Atividade Docente (PAD), única medida implementada na UECE durante a pandemia em favor de professores. “O 3×1 foi a única contrapartida que nós tivemos para estar no ensino remoto. Nós podemos confirmar que estamos trabalhando muito mais do que trabalhávamos, arcando com novas tecnologias, custos elevados de energia, internet e ainda comprometendo as relações domésticas, principalmente no caso de nós, mulheres”, afirmou a professora Virgínia Assunção, presidenta da SINDUECE.
A decisão de hoje contraria a posição ouvida nas cinco plenárias realizadas pela SINDUECE em todos os 12 centros e faculdades, que reuniram mais de 400 pessoas entre os dias 30 de junho e 5 de julho, bem como a decisão encaminhada pelos docentes em assembleia geral realizada no último dia 8. Além disso, a redução do PAD 3×1 desconsidera o aprovado pela Câmara de Coordenadores da UECE, no dia 4 de junho: com 73% dos votos foi decidido que a manutenção da medida era condição essencial durante o ensino remoto. Entre os motivos apresentados pelos titulares das coordenações naquela ocasião estavam a continuidade da pandemia, com altíssimo número de mortes e contaminados entre estudantes, professores e servidores e suas famílias, assim como as dificuldades de acompanhamento das aulas remotas por um grande contingente de estudantes, que mesmo tendo recebido o chip de acesso à internet não contam com aparelhos com qualidade.
Há quase um ano, em 24 de setembro de 2020, o mesmo Conselho Universitário havia aprovado uma resolução que garantia o PAD 3×1 na tentativa de minimizar a docentes e discentes os danos causados pela pandemia da Covid-19. “O que mudou na universidade de lá pra cá para que a gente precise redefinir isso?”, questionou o professor Nilson Cardoso. Para ele, há uma ausência da UECE e do Governo do Estado em ofertar condições para permanência de alunos e para auxiliar professores no ensino remoto. “O perfil de estudantes da UECE tem dificuldades enormes de acompanhamento. Parece que aqui a gente olha para aqueles que tem condições”, completou.
No mesmo sentido, o professor Ernandi Mendes destacou que, no ranking Times Higher Education de 2020, a Universidade Estadual do Ceará ocupa o 2º lugar em “Redução da Desigualdade” ao lado de outras cinco Instituições de Ensino Superior (IES) de todo o Brasil. Entre as estaduais do país, está em 1º lugar junto à Universidade de São Paulo (USP). “Quem são nossos alunos? São pessoas pobres e vêm da escola pública. Em grande parte, assistem às aulas na telinha do celular, em casas que não são de classe média. E nossos professores, com sobretrabalho, alcançam esses índices”, apontou ao lembrar que, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia, o PAD 3×1 contribuiu para o aumento de 26,5% das publicações da UECE em periódicos internacionais no último ano, cinco vezes a média nacional.
A favor da redução do 3×1 foram utilizados argumentos como a baixa oferta de disciplinas e o atraso no calendário acadêmico, o que, para a professora Jaqueline Rabelo, pode criar uma falsa expectativa aos estudantes. “Eu reconheço a ansiedade dos alunos, mas sabe o que vai acontecer quando voltarmos ao presencial? Vamos demorar pelo menos dois anos para regularizar a oferta”, argumentou. De acordo com ela, a redução de 3 para 2 horas de planejamento vai impactar muito pouco na oferta real e, como apontado em vários momentos da reunião, o problema expõe um outro gargalo histórico da UECE: a alta carência de professores efetivos, realidade muito bem conhecida pelos coordenadores de cursos, que muitas vezes não contam com um número mínimo de docentes. Segundo Jaqueline, o Consu deveria manter a decisão tomada pela Câmara de Coordenadores: “Os coordenadores são aqueles que estão mais próximo da realidade dos alunos e dos professores. Precisamos defender a manutenção da universidade com qualidade e preservando o que é mais importante: a vida”, defendeu.
A votação no Consu se deu depois da apreciação da mesma matéria pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da UECE, ocorrida no último dia 9. De lá para cá, a Diretoria da SINDUECE lançou a campanha CHATeAÇÃO de mobilização dos docentes nas redes sociais dos conselheiros e da UECE pela permanência do PAD 3×1. A iniciativa ganhou repercussão: na transmissão da reunião do Consu pelo Facebook da universidade, nesta sexta-feira, foram quase mil visualizações e cerca de 700 comentários, a maioria utilizando a hashtag #MantémConsuPAD3x1. “Não é apenas voto ou o quantitativo final que conta! Às vezes quem ganha no quantitativo perde na argumentação”, avaliou a professora Sandra Gadelha.