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Nota da SINDUECE: Mentiras sinceras nos interessam? O deserto por detrás do oásis

Na quadra chuvosa no Ceará sempre é tempo de renovar as esperanças em dias melhores e o anúncio da expansão das Universidades Públicas Estaduais do Ceará, feito no dia 3 de fevereiro de 2022, veio regar esse sentimento. As três estaduais são patrimônio do povo cearense: todos os anos, milhares de estudantes egressos da escola pública adentram os campi distribuídos por todo o estado; mais de mil deles saem formados para ser docentes do Ensino Básico; dezenas de pesquisas são apresentadas para melhorar a condição de vida da população, como o desenvolvimento da vacina contra a Covid-19, e centenas de milhares de pessoas são atendidas por ações de extensão.

Toda essa pujança da atividade acadêmica se constituiu e se consolidou nos últimos anos, colocando essas instituições em destaque em avaliações nacionais e internacionais, muito motivada pela garantia da Gratificação de Dedicação de Exclusiva (GDE) para docentes, e ela é, indubitavelmente, a expressão desse avanço e reconhecimento das Universidades Cearenses como vanguarda do Ensino, Pesquisa e Extensão.

O Decreto Estadual nº 34.537/2022 chegou com boas novas: a maior expansão do ensino superior estadual, fato que fez toda a comunidade acadêmica comemorar por cerca de 40 dias. Até que surgiram notícias sobre as características do concurso! Expandir em 44% o número de municípios com oferta de cursos pelo interior do Estado, com a realização de concurso de 693 docentes sem a GDE nos faz questionar: expandir a que custo?

A esperança deu vazão à decepção, pois a expansão não chegou só com boas novas, mas trouxe consigo preocupação pelos riscos que representa para os rumos do Ensino Superior no Ceará. O silêncio das Administrações Superiores foi outro elemento de espanto: por que o Reitor Hidelbrando dos Santos Soares não fez qualquer anúncio de que as 365 vagas do concurso da UECE se dariam por essa via? O que ele desejava esconder?

Não ter dedicação exclusiva é precarizar a universidade pública, é fragilizar a pós-graduação. É relegar ao impossível a pesquisa. É transformar a extensão em voluntariado. É empurrar docentes à complementação orçamentária em face do achatamento salarial em que padece o funcionalismo público. Retirar a GDE é colocar em prática um plano há muito tramado para reduzir os custos com algo que deve ser essencialmente prioridade: o trabalho docente. Com professores mais baratos, as universidades públicas estaduais podem ser transformadas em grandes balcões de formação de mão de obra para o mercado, a exemplo de faculdades particulares de qualidade questionável.

O argumento apresentado é o limite orçamentário de R$ 55 milhões, aporte aprovado para subsidiar as contratações, e que a concessão da GDE ultrapassaria esse montante. Ora, se a dedicação exclusiva representa em média 20% dos salários de docentes, considerando o orçamento estadual, o equilíbrio fiscal e a retomada de crescimento econômico, esse é um impedimento simplório, senão mais R$ 11 milhões fragilizaria o erário estadual? Seguramente, abrir mão da GDE é muito menos do que se investiria em uma obra de pequeno porte.

Acrescenta-se que as contratações não ocorrerão todas de uma só vez, já que cerca de metade das 693 vagas estão destinadas aos cursos e campi novos da UECE, UVA e URCA, o que depende de implantação, construção e outros trâmites para o início das atividades acadêmicas, o que, inevitavelmente, não ocorrerá em 2022. Ainda que o início dos cursos e campi novos se dê em 2023, as contratações docentes ocorrerão em ciclos, à medida em que avançam os semestres e demandam a implantação das disciplinas, finalizando em 2024 e 2025, a depender de cada caso. Ou seja, o limite de R$ 55 milhões, mesmo que sem a suplementação equivalente à GDE, serão atingidos em 2024 ou 2025. Portanto, o limite, a nosso ver, é político!

A qualidade de uma universidade pública não pode ser comprometida em função de limites orçamentários que comprometam o seu funcionamento e a sua produção acadêmica. São elas, em boa parte do país, responsáveis pela interiorização do Ensino Superior e criação de novos horizontes de vida. No Ceará, um estado com quase 700 mil jovens (entre 15 e 29 anos) que não trabalham nem estudam, segundo dados do IBGE, a universidade pública estadual deveria ser um projeto de sociedade de largo alcance, acompanhando a projeção de crescimento que o Estado traça para os próximos 30 anos. Por essa razão, é preciso lutar diuturnamente pelos investimentos públicos e contra a precarização das universidades públicas estaduais.

A contratação de docentes sem dedicação exclusiva, seguramente, não representa o interesse da Sociedade Cearense e significa fragilizar seu vínculo com as universidades. Por isso é lida pela comunidade acadêmica como um golpe ao Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos (PCCV) dos docentes. Por toda essa argumentação, questionamos: a contratação de docentes sem dedicação exclusiva serve a quem?

Outro absurdo orquestrado com adesão da Reitoria da UECE, expresso pelo forte lobby na Assembleia Legislativa do Ceará, foi a aprovação da Lei nº 18.034, de 20 de abril de 2022, que remaneja cargos na Carreira de Professor do Grupo Ocupacional Magistério Superior (MAS) na FUNECE. Segundo a Governadora Izolda Cela, com a Lei “[…] será possível à Universidade realizar concurso público destinado ao provimento de 365 (trezentos e sessenta e cinco) cargos de professor de ensino superior, suprindo, além de carências de pessoal, demandas que possibilitarão implementar a Política Estadual de Expansão e Interiorização do Ensino Superior no Estado, prevista no Decreto Estadual” que citamos. Teremos criação de 7 novos cursos sem NENHUM novo cargo, ampliando a defasagem dos 1.133 cargos já denunciada desde 2013. Com a aprovação da nova lei se extinguiu qualquer possibilidade de recomposição do corpo docente que há décadas vive situação de precarização.

Em 2021 foi realizado o Censo de Carência Docente apontando um déficit de 407 professoras/es. Esse dado teve por base um parâmetro pré-pandêmia e, portanto, não refletindo a integral demanda de pessoal docente. Hoje, a situação na UECE é a seguinte, dos 1.133 cargos para carreira Magistério Superior/FUNECE temos:

  • 703 ocupados por professoras e professores efetivos, restando 430 cargos para recomposição do quadro docente.
  • O Decreto deste ano liberou 183 vagas de concurso para atendimento dessa demanda.
  • Faltam ainda 224 docentes para garantir o funcionamento mínimo da UECE.
  • Se descontarmos das 430 vagas para recomposição as 182 anunciadas para cursos novos e as 183 para demanda já existente, restarão apenas 65 cargos disponíveis para atendimento da carência histórica da UECE.

A Reitoria da UECE inviabilizou 159 vagas da nossa carência e institucionalizou uma nova carreira na UECE: a de professoras e professores temporários!

O ataque à carreira docente não se estanca aí. A Reitoria também inviabilizará em breve promoções. Com a permanência dos 210 cargos de Associado, dos quais 154 já ocupados, restam disponíveis apenas 56. Atualmente, há 60 docentes na categoria M de Adjunto, deixando de fora 4 docentes. Logo mais, 24 docentes reunirão as possibilidades de promoção (Adjunto de L para M) avolumando aquelas e aqueles sem alcance de um direito previsto em lei. A possibilidade dependerá de aposentadoria, ou a cargo do acaso, por falecimentos e/ou exonerações. Da mesma forma, todas as pessoas que entraram em 2013 como Adjunto logo chegarão à classe M e é pouco provável que depois consigam chegar a Associado. Com o aumento do número de vagas de Assistente (de 340 para 406) essa pressão também recairá sobre a promoção a Adjunto. Num futuro breve, colegas docentes vão se aposentar nos cargos que ingressaram, caso não mudemos a situação imposta pelo Governo do Estado com aval da Administração Superior.

O rolo compressor no PCCV também não para aí. A classe Titular entrou em extinção e ficam apenas os 11 últimos docentes nessa condição. É o fim dessa categoria na carreira!

Retrocederemos em quase 30 anos, quando a GDE não era realidade. A carreira está sendo golpeada com uma reestruturação sem diálogo. Esse é o começo do fim, com pompas e circunstâncias para um oásis que esconde o deserto logo ali, não tão longe e nem tão desconhecido de todas e todos. A comunidade acadêmica das três Universidades Estaduais e a sociedade cearense vibraram com a expansão tão almejada, mas não sem o lamento da forma como as gestões conduziram esse processo.

Com a voz embargada pela revolta engasgada, seguiremos com outra Soares, a Elza, lutando:

Até o fim eu vou cantar, eu quero cantar

Eu quero é cantar eu vou cantar até o fim

Eu vou cantar me deixem cantar até o fim

A UECE existe porque resiste!

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