A Universidade Estadual do Ceará vive, nos últimos tempos, época de superlativos. Após a realização do maior concurso da história dessa universidade, teremos a maior quantidade de disciplinas sem docentes de todos os tempos, embarreirando a vida de milhares de estudantes. Ao longo dos seus mais de 47 anos, a UECE tem histórico de carência docente, convivendo com a presença de professoras e professores em condição de vínculo temporário como solução. A carência nas universidades estaduais do Ceará é tema recorrente, seja pelo intervalo entre a realização de concursos, seja pela implantação de novos cursos sem a devida contratação de docentes, ou ainda, pela falta de autonomia para realizar concurso ou contratação de pessoal docente já selecionado, em caso de falecimento, exoneração ou aposentadoria. Esses elementos alimentam a falta permanente de professoras e professores na UECE e nas demais IES estaduais.
O quadro de carências da UECE foi mensurado em 2021, em último dado publicado, resultando em uma resolução que, a partir do levantamento realizado, estabelece as prioridades de contratação em eventual liberação de concurso para preenchimento de vagas pelo Governo do Estado. O quantitativo apontou um déficit de 407 docentes em diversos cursos, dando relevo à constante denúncia de falta de docentes na UECE. Esse quantitativo, face ao cenário de funcionamento excepcional da Universidade, por conta das restrições impostas pela pandemia de Covid-19, tomou como referência os parâmetros do segundo semestre de 2019, último com pleno desenvolvimento das atividades docentes na forma de ensino, pesquisa, extensão e gestão universitária, o que per se trouxe certa defasagem, embora expressiva a demanda por docentes.
O Governo do Estado, representado à época por Camilo Santana, em seus últimos dias antes da investidura ao cargo no Senado Federal, lança o Decreto Estadual nº 34.537/2022, estabelecendo Política de Expansão e Interiorização do Ensino Superior no Estado do Ceará, concedendo vagas para cursos já existentes e para um projeto de expansão nas três Universidades Estaduais do Ceará – UECE, UVA e URCA. Para a UECE foram liberadas 365 vagas, sendo 183 para cursos em funcionamento e 182 para os novos cursos, representando um dos maiores concursos já realizados e trazendo consigo uma importante contradição. Cria-se um marco, cursos antigos têm apenas 45% das carências atendidas e os que ainda seriam implantados receberam 90% das vagas para o pleno funcionamento dos projetos pedagógicos de curso.
Soma-se a esse cenário a expansão sem a criação de um novo cargo (grupo ocupacional Magistério Superior – MAS/FUNECE), dos 1133 cargos aprovados em Lei, à época do concurso eram ocupados 703 e com a convocação dos 365, sobrariam apenas 67 para repor os 55% das carências apontadas no censo realizado em 2021. Hoje, há cerca de 850 cargos de professoras e professores efetivos ocupados nos quadros de servidores da UECE, considerando que, aproximadamente, 160 docentes foram convocados e até se completar o quantitativo de 365 previsto, restarão poucas possibilidades em pôr fim à carência de docentes. É óbvio que esse cenário é mutável, bastando ao Governo do Estado submeter à Assembleia Legislativa do Ceará projeto de lei ampliando os quantitativos de cargos, repondo, no mínimo, o quantitativo utilizado na expansão. Tal reposição tem sido objeto de reivindicação pela Sinduece em mesas de negociação permanente com a Secitece, sem sucesso até o presente momento.
Os anos de 2022 e de 2023 movimentaram a gestão e a dinâmica acadêmica, expondo outro tipo de carência – a de pessoal técnico-administrativo, uma vez que houve centralidade no planejamento e na realização dos concursos (Assistente – Edital nº No 11/2022-FUNECE, de 26 de abril de 2022 e Adjunto – Edital nº No 12/2022-FUNECE, de 26 de abril de 2022), na convocação, na nomeação e na posse de parte de professoras e professores aprovados. Deixou-se de lado, compreendendo que o concurso não abarcou toda a demanda da UECE, a realização de seleções para docentes em temporárias(os). O fato ocorrido impactará no ano de 2024, de maneira contundente!
Os concursos realizados tiveram, por óbvio, a formação de cadastro de reserva, com pessoal qualificado selecionado, mas que, pelo limite de vagas presentes nos editais, esses concursados não puderam assumir até o momento, a não ser em situação provocada por desistências dos primeiros lugares. Sobre esse quadro de selecionados a Reitoria, reiteradas vezes, se dirige a eles e elas afirmando que não pretende convocar além do quantitativo aprovado nos certames encerrados e que também não tem intenção de prorrogar a vigência do concurso, com validade de dois anos, extensível por mais dois. Essa é mais uma contradição observada, entre muitas, nesses concursos realizados em 2022. Registra-se, os questionamentos se dão em torno do vínculo ofertado às vagas – todas sem a previsão da dedicação exclusiva já na contratação; sobre o atendimento à política de cotas e à PCD – sendo necessário intervenção judicial para reversão e adequação legal; sobre a utilização de cargos já existentes (e o remanejamento de níveis sem prévio debate) em cursos novos, mas não sobre a lisura do processo.
Essa oposição à prorrogação tem uma razão: a preterição. Como somos uma instituição multicampi, os setores de estudo ofertados no concurso são os mesmos em todos os cursos que existem em mais de um campus. Finalizado o processo seletivo, aquelas pessoas aprovadas em setores de estudo iguais, além das vagas disponíveis nos editais, são reclassificadas e compõem um banco de classificáveis. Essas pessoas têm preferência sobre qualquer contratação que venha ocorrer até o final da vigência dos concursos a que participaram, impedindo que se convoque pessoal docente em outras modalidades, com seleção para temporários.
Ocorre que os concursos só atingiram 45% de toda a demanda apontada em 2021 e a seleção envolveu muitos setores que eram ocupadas por docentes em contrato com vínculo temporário e transcorridos dois anos – período máximo de permanência no quadro de professoras e professores- seus contratos encerraram-se por todo o segundo semestre de 2023. Não prorrogar a validade dos concursos abre margem para, a partir de janeiro de 2025, voltar a contratar pessoal docente temporário sem incorrer na preterição, mesmo que isso venha a causar enorme transtorno por dois semestres, pelo menos, com um sem número, que ultrapassa em muito mais de uma centena, de disciplinas sem professora ou professor responsável por conduzi-las já em final de fevereiro de 2024. A ausência desses colegas fez emergir uma situação que já fora anunciada pela Sinduece desde agosto de 2023: a UECE vai parar por falta de docentes!
A solução para esse cenário não é simples, sobretudo, pelo modo, aparentemente, leniente da Administração Superior da UECE em não investir esforços em obter autorização para contratação de docentes no quadro de reserva originado nos últimos concursos, para os setores em que lá figuram. Essa ação resolveria uma significativa parcela da carência de modo duradouro, considerando os dados apresentados no censo realizado em 2021, há 52 setores de estudo com pessoal aprovado no cadastro de reservas e com demanda, apontando potencial de contratação de 89 docentes efetivos. Esses números podem ainda ser maiores, uma vez que no último censo realizado em 2023 não foram publicizados, como estava previsto para novembro do ano que se encerrou há pouco. Sem dúvida, dada às aposentadorias, aos falecimentos e aos pedidos de exoneração, as carências em algumas situações agravaram-se, o que amplia a necessidade de negociações para novas autorizações para contratação e, de modo contundente, a prorrogação da vigência dos resultados dos últimos concursos.
Em resposta, a UECE anuncia a realização de uma seleção simplificada para contratação de professoras e professores com vínculo temporário, para os setores de estudo que não compõem hoje o cadastro de reserva, como principal solução para o grave quadro de carência em 2024. Observando as experiências anteriores e o fato do edital não sua publicação no Diário Oficial do Estado do Ceará, leva-nos a perceber que a contratação desses docentes se dará, na melhor das condições, no final do primeiro semestre de 2024, causando enormes prejuízos para a integralização curricular de estudantes, inclusive de concludentes.
De modo adicional, apontam negociações para realização de um novo concurso em 2025, o que parece ser mais uma das contradições da Reitoria sobre essa temática. Qual o sentido de negociar algo que pode ter solução imediata? Qual a razão de não haver negociação para contratação do pessoal do cadastro de reserva? Se há intenção de contração, por que não há interesse em renovar a vigência do resultado dos últimos concursos? Questões que parecem trazer mais conturbações que solução para um problema urgente.
A Administração Superior também cria uma cortina de fumaça para o problema que vivenciamos em poucas semanas ao anunciar que antecipará a contratação de todos os primeiros lugares dos cursos que surgiram na política de expansão, possivelmente, por seu desinteresse em prorrogar a vigência do resultado dos concursos. Essas contratações estavam previstas para se dar em decorrência da implantação desses cursos, à medida que os semestres avançavam e demandavam docentes, com planos de convocação no primeiro e segundo semestres dos anos de 2024 e de 2025. A condição inebriante é de transparecer que essa contratação atingirá o nosso problema imediato, a carência de docentes em cursos já existentes, uma vez que a PGE já vedou qualquer possibilidade de mobilidade das vagas, em parecer emitido no despacho nº 009/2022 – GAB/PGE, relativo ao processo nº 02782464/2022, que em suas considerações assevera: “[…] as 182 vagas voltadas aos novos cursos devem ser integralmente distribuídas àqueles discriminados no art. 2°, II, alíneas “a” a “e”, do retromencionado Decreto”.
Em paralelo, ressaltando a aparente leniência com essa situação de falta de professoras e professores na UECE, a Reitoria vem anunciando a oferta de novos cursos (Biomedicina, a Escola de Engenharia com três curso nessa área, Agronomia, Economia), além do recém ofertado curso de Bacharelado em Direito. É um verdadeiro disparate, como criar cursos, demandando novas contratações, ao passo que há um grave quadro de carência em cursos que já funcionam há décadas. Se há disposição em negociar com o Governo do Estado, por que não há a mesma investidura em solucionar o que é realidade desde há muito? Essa situação amplia a sensação de inoperância em buscar solução efetiva para um dos mais duradouros problemas da UECE.
Portanto, para atacar o problema da carência de docentes na UECE, é imperativo:
i) convocar todo o pessoal de cadastro de reserva aprovados nos setores em que haja carência apontada no censo docente;
ii) prorrogar a vigência do concurso, com possibilidade de convocação até janeiro de 2027;
iii) aprovar a lei que garanta autonomia de contratação de docentes em casos de aposentadoria, falecimento ou exoneração,
iv) realizar novos concursos para professoras e professores efetivas(os) para suprimento permanente das demais demandas;
v) publicar edital, dada a urgência, para a seleção de temporárias(os) para setores de estudo que não estejam na relação de aprovadas(os) no cadastro de reserva;
vi) divulgar o Censo de Carência Docente, realizado no segundo semestre de 2023.
Denunciar e lutar por realização de concursos sempre esteve nas pautas da Sinduece. Combater a contratação de pessoal docente para resolver a carência na UECE sempre foi motivo de reivindicação por novos concursos para docente efetivo, seja para propiciar a qualidade, pelo fortalecimento dos laços de compromisso com a Universidade, seja para evitar a precarização a que são impostos profissionais que têm mostrado, ao longo do tempo e em sua grande maioria, a competência que é transferida à essa instituição. Para UECE não parar, efetivas e efetivos já!