Já são cinco meses, já passaram de vinte e quatro milhões de infectados e mais oitocentas e vinte mil mortes. O mundo está vivendo hoje a pior crise sanitária de saúde da sua história. No Brasil são mais de 3,7 milhões de pessoas infectadas e 120 mil mortes pela Covid-19. No Ceará, já passamos de 208 mil infectados e 8,3 mil óbitos e estamos longe da imunidade por contágio, uma vez que a doença não atingiu a 5% da população cearense. E o reducionismo da discussão sobre a retomada de uma normalidade, a qual nunca existiu, centra-se no artifício da dualidade entre ‘garantir direitos’ para as maiorias e ‘prejudicar a economia’, em nome das minorias privilegiadas.
Esse caos social é motivo para sermos provocados a nos colocar como espaço de reflexão sobre essa realidade tocante. Quais análises fazemos dessa passagem da nossa história contemporânea? Quais propostas apresentaremos para convivência com essa pandemia ou com outras vindouras, fruto dessa sociedade ambientalmente ameaçada, economicamente fracassada e socialmente injusta e desigual? Como nos localizaremos no futuro breve que clama por novas posições diante das realidades que nos
oprimem?
Em tal conjuntura, cabe à Universidade se agigantar, na busca de respostas profundas e amplas, reais alternativas ao modelo de desenvolvimento destrutivo, consumista e excludente. Não cabe a universidade saídas imediatistas que impliquem precarização da educação e lucratividade de empresários ávidos por ganhar mais com a pandemia e com a desigualdade social. Desta forma, a universidade não pode se render à lógica da mercantilização da educação, como projeto neoliberal. Deve conceber o seu papel histórico e apontar projeto curricular que resista ao pragmatismo e geração de desigualdades por meio do aprofundamento de discussões, de pesquisas, dos projetos de extensão e da diversidade de eventos formativos.
É nesse entendimento político e em DEFESA DO TRABALHO COM DIGNIDADE E DA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE, que o SINDUECE reitera a sua posição contrária ao início do semestre 2020.1 na Universidade Estadual do Ceará, por meio de aulas remotas, decisão tomada em Assembleia Docente, ocorrida no dia 21/07/2020. Isso porque, essa modalidade de ensino, não apenas aprofunda a exclusão dos alunos e alunas no processo de ensino-aprendizagem, como contribui para o baixo nível de qualidade de ensino por significar apenas um arranjo temporário. Parece importar muito mais a finalidade de começar o semestre letivo, de realizar aulas, do que o objetivo de se pensar em soluções pedagógicas que minimizem o drama da exclusão social. Isto significaria, sobretudo, uma derrota político-pedagógica da educação superior pública, já por demais desgastada frente aos ataques constantes de um governo reacionário, autoritário e protofascista que ataca a ciência, a educação pública, a reflexão crítica e as universidades brasileiras.
Reafirmamos a posição aprovada em nossa Assembleia Docente: Ensino Remoto, Não! Todavia, não se trata de uma posição extremada ou antidialógica. Avaliamos que as proposições, sem as garantias necessárias, são inviáveis para um aceno ao debate possível. A preocupação com as desigualdades, no que diz respeito ao acesso dos estudantes, deve ser pauta constante e exige que se busquem condições democráticas e inclusivas. Nossa luta também se dá no sentido de não corroborarmos para fortalecer um projeto de mercantilização da Educação, a partir dos interesses de grandes corporações da Tecnologia da Informação e de Grupos Privados que atuam na Educação Superior.
A adoção do ensino remoto, como exposto pela Prograd Uece, em mensagem enviada aos colegiados dos cursos, exige reavaliação e redimensionamento do trabalho docente. A proposta de acréscimo de uma hora ao planejamento das atividades didáticas, não será suficiente às demandas colocadas pela situação laboral criada pelo isolamento social.
No novo cotidiano pandêmico, as atividades curriculares remotas são tangíveis a um conjunto de situações invisíveis, que mesclam dimensões pessoal e profissional, atingindo a privacidade todas e todos. Ademais, aconteceriam sem apoio técnico e de infraestrutura, corroborando com um cenário de exaustão e adoecimento, numa sociedade que não distingue trabalho-descanso, configurada num ato contínuo de 24h, 7 dias por semana.
Precisamos, ainda, reconhecer que o ensino remoto abre margem para precarizações futuras, pois as condições técnicas podem permitir a ampliação do alcance de atuação, não apenas circunscrito aos já realizado no ensino presencial, o aumento exacerbado do número de estudantes por atividade, descaracterizando o projeto projeto pedagógico dos cursos e afetando a segurança legal do trabalho presencial, com jornadas excessivas na frente das telas.
No caso de estudantes, cujo perfil dos matriculados na Uece aponta grave vulnerabilidade, senão no todo, mas em grande parcela – o ensino remoto significará formação ainda mais individual e centrada em conteúdos, dissociada de reflexões e interações que tanto enriquecem a aprendizagem coletiva. Inegavelmente, esta será a marca do ensino emergente. A proposta da Prograd oferece o “direito” de trancar a qualquer tempo “sem” prejuízo, como se a modalidade em si não fosse, por natureza, excludente e, portanto, prejudicial. É esse atendimento aos estudantes, conformado apenas à intenção oficializada (Bolsas/equipamentos/outros auxílios) e não condicionada a qualquer possibilidade de retorno às aulas que a Universidade oferecerá?
No atual momento, o SINDUECE reafirma que a prevenção deve continuar com o isolamento social e, no futuro, com a vacina para todas e todos. É preciso, pois, reforçar a quarentena enquanto não houver segurança à saúde e à vida das pessoas que participam da comunidade acadêmica: professores/professoras, alunos/alunas e funcionários/funcionárias. No futuro, quando se cogita o retorno presencial, sem, possivelmente, as garantias de saúde, permaneceremos em defesa da vida e confrontando com projetos gananciosos e irresponsáveis de governos que vêm atacando os direitos de trabalhadores e trabalhadoras, aprofundando a crise econômica e a desigualdade social.
Nós, como universidade, somos mais, fazemos mais, aguardamos mais, merecemos mais e podemos mais. Compartilhemos no semestre 2020.1 a fruição das nossas artes, a extensão dos nossos projetos, a valorização das nossas investigações, a oferta de momentos de formação humana, em diversos temas, por meio de Seminários, Grupos de estudos, Encontros, Cursos, que trariam mais significado para o papel da universidade nesse momento de dor e pesar. A conjuntura impõe a urgência em concebermos um inovador projeto curricular para a universidade em contexto de crise sanitária e emergência climática.
Ousemos na construção do semestre 2020.1!