por Alex Santos, docente da FACEDI
Nos registros dos mitólogos, consta que na região da Fócida, onde ficava situada a pólis de Delfos, vivia a Pitonisa ou Pítia – Oráculo de Delfos. Nome da sacerdotisa apolínea, herdado da serpente Píton, morta por uma flechada de Apolo, filho de Leto, a quem Píton perseguia durante a sua gravidez.
Uma forma estranha de iniciar um texto de conjuntura política que envolve a crise econômica do capital, escancarada e acelerada pela pandemia da COVID-19, o Congresso Nacional, o ultraliberalismo e as(os) servidoras(es) públicas(os). Estes últimos, aparecem na história não como consulentes que buscam o anúncio de boas novas ou de um futuro pujante de bonança, a ser anunciado pela boca do oráculo, mas como o bode ou cabra que a este era oferecido em sacrifício no ritual mítico.
A Pitonisa, na conjuntura brasileira, não está travestida de sacerdotisa do deus Apolo, mas à frente do Ministério da Economia e assume o papel de profetisa do deus mercado, servindo de guia do ultraliberalismo para as demais serpentes do conservadorismo que, como parlamentares, se aninham no covil das decisões políticas, o Congresso Nacional.
Com a arquitetura econômica planejada para atender os desígnios do capital financeiro e especulativo, o oráculo do mercado, aqui no Brasil, não contava ter os planos frustrados de seguir à risca as leis de sua divindade. Todavia, apareceu invisível e silencioso a pedido de Géia (a mãe natureza) um vírus letal, para atrapalhar os planos do chicago boy, nossa Pitonisa da vez, Paulo Guedes.
A situação viral escancarou as contradições do modo de produção capitalista e sua bestialidade descontrolada por lucros, deixando a nu, as desigualdades sociais, o abismo entre ricos e pobres como consequência da famigerada concentração de renda e a ausência de políticas públicas que possam garantir a sobrevivência e condições mínimas para uma vida digna da classe trabalhadora.
A realidade trágica anunciada por economistas, sociólogos do trabalho, cientistas políticos e analistas de outras áreas do conhecimento que seguem a linha do materialismo histórico-dialético, demonstrada a décadas com abundância de dados e argumentos, só foi possível ser visualizada por muitas(os) com a iminência da pandemia de COVID-19. O que no Brasil, pode se agravar com mais intensidade, devido as movimentações genocidas do energúmeno que atualmente ocupa a cadeira de presidente e suas(eus) apoiadoras(es).
A outra situação preocupante é a atuação da equipe econômica liderada por Guedes, que tem claramente defendido os lucros acima da vida. Os dados referentes as medidas adotadas com o surgimento da pandemia que forçou a quarentena e com isso a paralisação parcial da produção e circulação de mercadorias, são esclarecedores da opção feita para salvaguardar o capital financeiro e especulativo e sacrificar a vida da classe trabalhadora. Basta citar a orientação da equipe econômica em comum acordo com Bolsonaro, para o estabelecimento do “auxílio emergencial” no valor pífio de R$ 200,00 (duzentos reais), o qual foi acertadamente elevado pelo Congresso Nacional para R$ 600,00 (seiscentos reais), porém, ainda insuficiente para mitigar a condição de trabalhadoras(es) informais, desempregadas(os), entre outras(os) que perderam sua renda com o confinamento social, determinado por governadoras(es) e prefeitas(os).
Ressaltamos que houve entraves por parte do governo federal e da própria Pitonisa para liberação do recurso do “auxílio emergencial”, por exemplo, a exigência do Cadastro de Pessoa Física (CPF) regularizado para poder ter acesso ao benefício. Esta imposição covarde, constrangedora e fascistóide causou aglomerações de pessoas nas portas das agências da Receita Federal e filas quilométricas da classe trabalhadora pauperizada que no contexto de gravidade sanitária seria inconcebível, caso se considerasse, as determinações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e as próprias orientações do Ministério da Saúde.
Foi necessário a intervenção de um juiz para a exigência ser abolida. Tais atitudes demonstram a má vontade do atual governo de prover o mínimo de assistência à população empobrecida e miserável. Sobre esta última, reina o desejo pulsante nos gabinetes do Planalto Central, que fique abandonada à própria sorte e chegue a óbito vítima do vírus e por completa negligência do Estado.
Ao seguirem a lógica do deus mercado, a Pitonisa e as serpentes por ela orientadas, sem hesitação, autorizaram o Banco Central (BC) a injetar recursos no sistema financeiro, especialmente nos bancos, no valor de R$ 1.200.000.000.000,00 (um trilhão e duzentos bilhões de reais). Os números soam como um espetáculo de aberrações, no circo do absurdo, mas estamos falando de realidade brasileira em tempos de obscurantismo negacionista e de ultraliberalismo.
Por fim, o socorro financeiro a estados e municípios por parte da União, já aprovado pela Câmera Federal sem contrapartida dos entes federados está no rumo de ser engavetado pelo Senado. O motivo do engavetamento tem sua origem nas negociações da Pitonisa com as serpentes que ocupam o Senado, incluindo seu presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP). Na negociação do novo projeto que será apresentado e votado estar a imposição da condição implacável que afetará todo o serviço público nacional, atingindo na forma de avalanche o já combalido funcionalismo de estados e municípios.
Segundo o que anunciou o jornal “A Folha de São Paulo”, em 22 de abril de 2020, os acordos de bastidores buscam consensuar a proposta, dada como certa por alguns senadores, de congelamento de salário de servidoras(es) públicas(os) e de concursos públicos até 2022, como contrapartida para estados e municípios receberem o auxílio financeiro da União. Esse é o desejo de Paulo Guedes, a sacerdotisa do mercado e do capital financeiro e especulativo. Dessa forma, o funcionalismo pagará parte da conta que a crise estrutural do capital vem enfrentando a décadas e, que foi, temporariamente, posta em claro pela pandemia viral, no melhor estilo de Hans Christian Andersen: “o rei está nu”. Nesse sentido, será mais um “bode” a ser sacrificado em nome do deus mercado e como deseja seu oráculo.
Como vimos, a atitude absurda e covarde se constitui em uma imoralidade pública, pintada com todas as cores da crueldade, típica de um governante maquiavélico que caminha a passos largos na implementação da necropolítica (política da morte), feito um tecido que constitui a mortalha costurada pelo ultraliberalismo para encaminhar à sepultura a classe trabalhadora, no caso específico, servidoras(es) públicas(as) que terão salários congelados, portanto, reduzidos e outros direitos adquiridos que vem sendo a tempos vilipendiados, para que bancos e banqueiros continuem lucrando com o dinheiro alheio.
Com tal jogo político, completamente danoso para o serviço público, que já vem provando em doses homeopáticas do veneno da crise ao longo da última década, o governo da “besta” à frente da presidência, ao exigir dos poderes executivos estaduais e municipais o congelamento de salários e concursos públicos, como moeda de troca para amenizar a crise, cria um desgaste entre estas(es) e as(es) servidoras(es). Contribui para o gozo pulsante da Pitonisa que quer de todas as formas atingir o funcionalismo e, ainda, fortalece o capital político do “mito” diante de sua seita de lunáticas(os) ensandecidas(os), sob a narrativa ideológica de que a União sob sua tutela, socorre os estados e municípios da ferrenha crise pandêmica. Uma jogada política fascista, mas nada amadora.
Eis que a medida adotada como contrapartida do auxílio financeiro, cairá como luva na mão de gestoras(es) estaduais e municipais que vivem sedentos a busca de brechas, como um viajante do deserto quente e seco a procura d’água, para restringir e retirar direitos adquiridos de servidoras(es). No caso do Ceará, por exemplo, o governador Camilo Santana (PT) já vem descumprindo a Lei, n. 14.867/11, que instituiu a data base para reposição salarial por perdas inflacionárias, em primeiro de janeiro de cada ano. Essa reposição não vem sendo cumprida desde o primeiro mandato do governador, imaginem depois dessa janela que o Congresso Nacional, articulado com Guedes, está abrindo. Teremos mais um biênio de perdas no poder de compra de nossos salários e que contribui para nosso empobrecimento e nos puxa ainda mais para a zona do precariado.
Camilo Santana e Mauro Filho devem estar vibrando feito cordas de guitarra, ao som do mais pesado heavy metal com anúncio da possibilidade de congelamentos de salários e concursos públicos no estado, em troca de recursos da União para mitigar os efeitos da crise econômica do capital e da crise sanitária proveniente da COVID-19. Nós do serviço público, confinadas(os) e desmobilizadas(os), com pouco poder de reação, estamos expostas(os) a mais um veneno amargo destilado pelas serpentes do covil ultraliberal.
Diante do que está posto não dar mais para viver nas condições que o mercado deseja e que o ultraliberalismo tem projetado para a classe trabalhadora brasileira e mundial. Portanto, é chegada a hora de mesmas(os) confinadas(os), nos bastidores irmos construindo os alicerces do rompante socialista para não perecermos nos braços do capital e nas mãos torturantes da barbárie.
Chegou a hora de dar um basta no governo Bolsonaro, Mourão e suas(eus) apoiadoras(es) – fundamentalistas cristãos, baixo e alto clero do militarismo, banqueiros, industriais, grileiros, milicianos, grandes proprietários de terra, bilionários, reis e rainhas do agronegócio, etc. –, interrompermos o curso desenfreado do capitalismo senil e decadente para preservarmos nossas vidas e a vida do Planeta.
É hora de colocarmos a vida, acima dos lucros. Garantir que trabalharemos menos, trabalharemos todas(os), produziremos o que é necessário para a existência equilibrada, saudável e, que a produção seja distribuída igualmente entre todas(os). Só assim, mudaremos o modo de vida a nós imposta por esta sociedade falida e carcomida pelos vícios que corrompem a dignidade e a coletividade humanas. Chegou a vez de outra forma de sociabilidade, a aspirada pelas(os) camaradas e comunistas.
Nesse percurso, moratória da dívida pública, estatização dos bancos, taxação progressiva das grandes fortunas, cobrança imediata de insumos fiscais sonegados pelas grandes empresas; revogação da Emenda Constitucional n. 95/16; suspensão do pagamento das dívidas provenientes de empréstimos pessoais, destacando os consignados de servidoras(es) públicas(os), aposentadas(os) e pensionistas, são tarefas políticas imediatas que o Estado deve adotar, no intuito de reduzir as desigualdades sociais.
“Socialismo ou barbárie!”
Rosa Luxemburgo