A Audiência
Na Audiência Pública que tratou da carência de docentes na UECE, realizada na última quarta-feira (04/06) na sede das Promotorias de Justiça do Ministério Público do Estado do Ceará, o Governo do Estado do Ceará deu as costas à UECE quando não compareceu e nem justificou ausência à convocação dos representantes da Casa Civil e da SEPLAG. Na falta dos representantes oficiais, o Magnífico Reitor Hidelbrando Soares, numa manifestação lamentável, dispôs-se a atuar como salvaguarda dos verdadeiros responsáveis pela grave situação que passa a nossa universidade. Ante a insustentável carência de professores/as vivenciada pela UECE, o Magnífico preferiu contemporizar a postura do Governo do Estado, que nega condições plenas de funcionamento das Universidades Estaduais do Ceará. O Reitor iniciou seu discurso tentando qualificar esse cenário como comum a outras IES no País, diferenciando o que seja “déficit” ou “carência”, restando a dúvida: entre essas duas categorias, cadê as/os docentes para as 371 disciplinas que serão canceladas por falta de professores? Será carência de sensibilidade por parte do Governo do Estado com a vida de estudantes ou déficit de decisão política para solucionar esse quadro histórico que assola nossas Universidades? A tentativa de mostrar uma situação sistêmica revelou-se a conciliação entre o abandono por parte do Governo e os anseios de uma comunidade universitária que clama por condições mínimas para a oferta de disciplinas nos cursos de graduação.

Pires na mão
Embora afirmando que professoras/es, estudantes e Reitoria estavam ali “unidos” com o mesmo objetivo: ter mais docentes no quadro efetivo da UECE, o Reitor seguiu com uma postura de mediação com o caos ao não apontar a razão para a carência docente que não as provocadas pelos governos estaduais que passaram pelo Palácio da Abolição. Considerando que o último concurso atingiu apenas 45% da carência levantada em 2021 (refletindo o cenário de 2019 – pré-pandemia), o restante de contingente represado historicamente na UECE vêm sendo “solucionado” com a contratação de pessoal docente com vínculo temporário.
O remédio usado para essa situação mostrou a grave contradição de sua posologia no momento posterior ao “maior concurso da história da UECE”, pois ao se formar um cadastro reserva para muitos setores de estudo, cria-se a preterição de quem está aprovado fora do número de vagas no edital, dando-lhes a preferência de contratação. E diante da falta de autonomia para esse fim, a UECE permanece com o ‘pires na mão’ ao aguardo da boa vontade do Governador Elmano de Freitas.

Apagão docente
Ainda que seja possível utilizar menores doses dessa porção para tratar a falta de professoras/es na UECE, em 2023 sequer houve seleção de professoras/es temporários, situação apontada pela Sinduece em Mesa de Negociação Permanente, na SECITECE.
No afã de mostrar regularidade e controle do caos, a Reitoria negou qualquer iminência de apagão docente na Universidade Estadual do Ceará. Já em 2024.1 vimos as luzes se apagarem e hoje estamos, em muitos semestres de alguns cursos, na quase escuridão.
Tentando justificar o injustificável, o Reitor da UECE, no momento mais lastimável de sua fala, preferiu responsabilizar os próprios docentes pelo atual quadro de precarização da universidade – reforçamos, evidenciado nas 371 disciplinas sem professor/a apenas em 2025.1. O Magnífico associou a impossibilidade de contratar pessoal docente com vínculo temporário, como elemento que agrava o expressivo quadro de carência nesse semestre, à oferta represada de disciplinas ocorrida durante a pandemia da Covid-19, quando as/os docentes tiveram seus regimes de trabalho alterados após decisão tomada pelos Conselhos Superiores da UECE ante a situação atípica daquele período tenebroso: ao ministrar uma hora de aula, a/o docente teria três horas para planejamento.

Vale lembrar que tal decisão considerou principalmente as precárias condições de parte significativa do nosso corpo estudantil, que não possuía equipamentos adequados ou conexão à internet em suas residências. Além disso, o quadro de saúde coletiva era extremamente crítico. Perdemos muitos colegas e outros tantos adoeceram. Até mesmo o então Reitor da universidade ficou afastado por um longo período pois estava internado por causa daquela terrível doença. Diante da alegação do Reitor Hidelbrando, cumpre-nos questionar:
- Se o regime excepcional adotado no período da pandemia não teve sua acomodação equacionada, o Magnífico poderia apresentar quantas disciplinas estão sem professor ou professora para atender uma retenção pós-pandemia?
- Quantas foram as disciplinas ofertadas em duplicidade em 2025.1 em razão do contingenciamento ocasionado pelo regime adotado durante 3 semestres no período de pandemia?
- Quantos estudantes estão retidos na sua formação por causa dessa medida adotada em 2020 e finalizada em 2021?
É descabido o argumento apresentado pelo Reitor Hidelbrando, um ataque inapropriado e desrespeitoso aos docentes e às instâncias da Universidade. Infelizmente, esse não foi o primeiro episódio no qual o magnífico reitor da UECE se afasta da comunidade universitária que o ampara e se coloca num papel de “escudo” do governo estadual, que sequer enviou seus representantes oficiais à Audiência Pública.
A carência de professores marca a trajetória das universidades estaduais do Ceará, seja pela falta de autonomia para a realização de concursos em casos de exoneração, falecimento e aposentadoria, seja pela abertura de cursos sem o número mínimo de docentes. O quadro atual de disciplinas sem professores invalida a publicidade oficial sobre o “maior concurso da história da UECE” – que só teve esse tamanho porque estávamos diante da maior carência de docentes da história da universidade. A maior evidência do quão distante está a solução para a falta de professores/as na UECE foi a solicitação da FUNECE ao governo estadual para a criação de 1637 cargos visando atender às demandas de carência docente, expansão de cursos, promoções e convocação de cadastro reserva. Para solucionar todas as carências listadas foram criados, contudo, apenas 283 cargos. E, até o momento, sequer as 35 convocações do Cadastro de Reserva – conquistadas pela greve docente de 2024 – foram efetivadas. Ainda assim, a Reitoria da UECE opta por acusar como os principais responsáveis pela atual crise os/as professoras/es da universidade que, por meio de seus órgãos deliberativos, decidiram por ajustar suas condições de trabalho em meio a circunstâncias incomuns e por um período delimitado – medida expirada há, pelo menos, três anos.

Neoliberalismo
Há um fenômeno conhecido no campo das políticas educacionais em contextos neoliberais, a “responsabilização”, onde docentes são considerados culpados pelas mazelas da educação, sobretudo pela qualidade aferida por exames em larga escala, atribuindo exclusivamente às professoras e professores os resultados insuficientes. Responsabilizar docentes é, portanto, mais uma forma de gerenciar o caos no neoliberalismo. E essa prática gera pressões sobre docentes para atingir metas e cumprir uma jornada pedagógica em que penaliza o professorado, tendo recentemente um trágico desfecho no Paraná, onde uma colega foi a óbito enquanto era cobrada por não ter atingido as exigências determinadas.
Culpabilizar as/os docentes por um problema estrutural, cujo principal responsável é o Governo do Estado, tem sido uma nova faceta da responsabilização, e a Reitoria da UECE garante novo atributo a esse fenômeno neoliberal. Mirar em docentes é a prova de que o alvo continua em nós, professores/as, e por tal razão não estamos do mesmo lado, Magnífico Reitor.
Nosso lado é o da Universidade Pública, gratuita, de qualidade socialmente referenciada, ambientalmente responsável, inclusiva e de caráter popular, mas sobretudo com firme caráter classista. E claro, do lado da universidade em que não haja disciplinas sem professoras e professores, e também que ofereça salários dignos ao seu corpo técnico administrativo e que dê condições de permanência para estudantes, garantindo alimentação e, por vezes, moradia. Reconhecemos os desafios para essas questões e elas estarão em nossas pautas de luta!

A ausência de professoras/es para as disciplinas é déficit, é carência, é abandono do Governo do Estado que não nos garante condições mínimas de funcionamento. Reconhecemos os limites da Reitoria da UECE na solução desse quadro crônico, mas apontar os docentes como o motivo dessa crise é a prova que falta vacina para não cair na esparrela de culpabilizar quem sofre com o descaso.
A culpa nunca é de quem trabalha, a culpa é de quem nos oprime e nos insere numa lógica de exploração, por isso não estamos unidos quando a causa apontada não é essa, quando a luta não é contra esses desmandos. A carência docente da UECE é causada pelo abandono histórico de Governos que nunca enxergaram esse equipamento como estratégico e, portanto, prioritário!
A carência docente da UECE não é responsabilidade das/os docentes!
Por uma dose de consciência de classe ao Reitor da UECE!